Pelos cálculos do Ibama, a
avalanche de lama que riscou do mapa o distrito de Bento Rodrigues depois do
rompimento da barragem da Samarco na cidade mineira de Mariana terminará seu
percurso nesta sexta-feira, no mar do Espírito Santo. Como a chegada dos rejeitos
de mineração ao Oceano Atlântico depende do traçado do leito do rio, a
velocidade pode variar - e adiar o fim do trajeto para domingo. É apenas uma
questão de tempo, contudo, para que os incalculáveis prejuízos ambientais já
provocados pela tragédia de Mariana atinjam também a vida marítima. E
transformem praias capixabas em um mar de lama. Especialistas ouvidos pelo site
de VEJA afirmam que os prejuízos ambientais da tragédia são 'irreparáveis' - o
impacto do desastre sequer pôde ser medido em sua totalidade quase quinze dias
depois do rompimento das barragens. Como o Rio Doce deságua no Atlântico, a
expectativa é que a lama se espalhe por seis quilômetros no mar, o que vai
afetar os manguezais e as terras que cercam a desembocadura do rio, usadas para
desova e reprodução das espécies. Além disso, os segmentos de lama vão afetar
de duas formas o ecossistema marinho: sufocando os organismos que formam a base
da cadeia alimentar, como os mexilhões, ou impedindo a penetração da luz solar,
essencial para a fotossíntese de organismos como os fitoplânctons, que servem
de alimento para os animais. O mesmo aconteceu ao longo do leito do Rio Doce -
dezenas de espécies morreram asfixiadas pela lama. Mais grave: como a tragédia
de seu justamente na época de reprodução dos peixes, as espécies mortas estavam
lotadas de ovos. Isso pode provocar desequilíbrio na natureza em longo prazo,
já que algumas espécies podem ser extintas.
Apesar da importância desses rios
- o Doce é a quinta maior bacia hidrográfica brasileira - não havia, antes da
tragédia, uma relação das espécies que habitavam o rio. Por isso, não será
possível saber quais delas deixaram de existir por causa do desastre. "Sem
peixes, sem invertebrados, sem sapos, rãs, pererecas, cobras ou pássaros, os
insetos da região não terão predadores, o que vai gerar pragas", prevê o
biólogo e pesquisador André Ruschi, diretor da Estação de Biologia Marinha
Augusto Ruschi, de Aracruz (ES). Outro temor dos ambientalistas é o que essa
lama chegue ao recife de corais de Abrolhos, a 250 quilômetros da costa do
Espírito Santo. Se isso ocorrer, os rejeitos vão arrasar a fauna e a flora da
região, que possui a maior biodiversidade do Brasil. Contudo, estudos do Ibama
descartam esse risco até o momento. Para conter os danos e evitar que uma
grande quantidade de rejeitos contamine o Atlântico, o Ibama informou que
adotou três medidas: utilização de floculantes, para fazer com que os
sedimentos que estão na superfície afundem, de forma a permitir a passagem de
água limpa; a instalação de diques na barragem de Santarém, para evitar que as
águas das nascentes fiquem sujas, e o uso de barreiras de contenção das áreas
de estuário, ambiente de transição entre mar e rio, para fazer com que o
material que fica na superfície não atinja os manguezais. Se a correnteza do
mar estiver mais forte do que a onda do Rio Doce, ele mesmo pode se limpar dos
rejeitos de minério.
Caso contrário,eles ficarão concentrados próximos à costa.
No verão, a tendência é o mar jogar os rejeitos para a praia. "Aí vai se
tornar um mar de lama", alerta David Zee, professor de Oceanografia da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Ambientalistas montaram ainda
uma força-tarefa para retirar os ovos de tartaruga que estão próximos à foz do
Rio Doce, e, assim, reduzir os possíveis impactos dos rejeitos para as espécies
que vivem no local. No Espírito Santo, onde a lama chegou no início desta
semana, os Ministérios Públicos Federal e Estadual criaram a operação Arca de
Noé, para evitar a extinção das espécies que vivem no leito do rio. Com apoio
de pescadores da região, todos os peixes encontrados foram retirados e levados
para locais previamente definidos. Os prejuízos ambientais também se estendem
para o solo dos distritos pelos quais os rejeitos de minério passaram. Segundo
Marcus Vinicius Poliganano, coordenador do Projeto Manuelzão, da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), a terra ficou "totalmente infértil".
Ele explica que a lama não tem matéria orgânica que possibilite vida - e que
não há meio de remover a quantidade de rejeitos no solo. "Acho que Mariana
vai ficar sempre na historia do Brasil e do mundo como uma cicatriz. Será
sempre um alerta de que a gestão ambiental não pode ser uma agenda
secundária", criticou. Até agora, a Samarco firmou um acordo com o
Ministério Público Federal e o Ministério Público de Minas Gerais que
estabelece o pagamento de 1 bilhão de reais para o custeio de medidas
preventivas emergenciais, de contenção de danos e também para o pagamento de
indenizações. A empresa também foi multada em 112 milhões de reais pela
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) de
Mariana e em 250 milhões de reais pelo Ibama. O retrospecto, contudo, é
desanimador: de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), das multas
aplicadas pelo Ibama entre 2009 e 2013, apenas 1,76% foi pago.
Reporter: NICOLE FUSCO – VEJA ON LINE – 20/11/2015
Fotos: Editora Mundo Emissão / Noticias UOL / Globo.Com. / Pesca Amadora.
Estruturação: Ga. Jose Ramos de Carvalho - Dir. APGAM
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