Depois de 20 anos de
negociações, impasses, avanços tímidos e fracassos espetaculares, 195 países e
a União Europeia produziram neste sábado nos arredores de Paris aquele que
talvez seja o documento mais importante do século XXI: o acordo universal que define
como a humanidade combaterá o aquecimento global nas próximas décadas. A COP21,
ou vigésima primeira Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas
sobre Mudança Climática, adotou às 19h26 de sábado (16h26 em Brasília) no
parque de exposições de Le Bourget, sob uma prolongada salva de palmas, um
pacote de 31 páginas. Ele contém um texto de 12 páginas, o Acordo de Paris, e
uma decisão que detalha como o acordo será implementado. Juntos, os dois
documentos formam uma espécie de manual de reorientação da economia mundial.
Eles sinalizam, ainda que de forma muito preliminar, que a farra desbragada das
emissões de gases de efeito estufa precisa chegar ao fim em algum momento deste
século. Para os otimistas, o acordo toca o sino do fim da era dos combustíveis
fósseis.
“Hoje nós podemos olhar
nos olhos de nossos filhos e netos e dizer que demos as mãos para fazer um
planeta mais habitável”, disse o secretário-geral das Nações Unidas, Ban
Ki-moon.
“O
acordo traz os pontos essenciais e temos uma boa base para ampliar a ambição no
futuro”, disse a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira,
elogiando a “diplomacia do carbono” do Brasil. Izabella afirmou que o acordo é
plenamente satisfatório para o Brasil e que todas as demandas do país foram contempladas.
O
objetivo declarado do Acordo de Paris é “conter o aumento da temperatura média
global em bem menos do que 2oC acima dos níveis
pré-industriais e envidar esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5oC acima dos níveis pré-industriais, reconhecendo que isso
reduziria de maneira significativa os riscos e os impactos da mudança
climática”. Trata-se da tradução prática do objetivo de evitar a “interferência
perigosa” da humanidade no sistema climático, sacramentado em 1992 na Convenção
do Clima da ONU, assinada no Rio.
A menção à meta de 1,5oC emerge como a grande vitória política da COP21. Ela foi obtida
graças à ação conjunta dos países insulares, que serão condenados à extinção no
longo prazo pelo aumento do nível do mar resultante de um aquecimento de 2oC. Reunidos numa aliança chamada Coalizão da Alta Ambição,
coordenada pelas Ilhas Marshall, os países-ilhas e os países vulneráveis
conseguiram o apoio dos Estados Unidos, da União Europeia e – de última hora –
do Brasil para isolar China, Índia e Arábia Saudita, que se opunham a esse
objetivo. Um artigo criando um mecanismo de perdas e danos, para apoiar os
países mais vulneráveis em relação a impactos que não podem mais ser evitados e
aos quais não é possível mais se adaptar, também ficou no acordo. Em
compensação, um ponto central do texto acabou ficando de fora: a menção ao
objetivo de longo prazo de descarbonizar a economia em 2050, ou de atingir a
neutralidade de carbono, ou de cortar no mínimo 70% das emissões mundiais de
gases-estufa até a metade do século. A meta de temperatura não vem acompanhada
de um roteiro dizendo como o mundo pretende chegar a menos de 2oC ou a 1,5oC, o que enfraquece a
perseguição desse alvo. Cientistas e ambientalistas consideravam a chamada
visão de longo prazo um guia essencial para um outro dispositivo, que é o pulo
do gato do Acordo de Paris: o chamado mecanismo de ambição, ou “torniquete”.
A ideia, em resumo, é a
seguinte: como as metas de redução de emissões (INDCs), apresentadas
voluntariamente até agora por 188 países, são incapazes de segurar a
temperatura no patamar necessário, será preciso fazer ajustes nelas a cada
cinco anos, a partir de 2023. Esses ajustes precisariam de um referencial, que
saiu do texto: tudo o que ficou como menção é que as emissões precisarão chegar
ao pico “o quanto antes” e que um equilíbrio entre as emissões de carbono e o
sequestro precisará ser atingido “na segunda metade do século”. A polêmica
questão do financiamento climático, que até o último minuto de negociação
ameaçou levar Paris a pique, foi resolvida como costuma ser em negociações
desse tipo: de forma salomônica. Ficou no texto da decisão da COP, mas não no
texto do acordo, que os US$ 100 bilhões por ano que os países desenvolvidos
prometeram aportar para ações de combate à mudança do clima e de adaptação nos
países em desenvolvimento serão um piso. Uma nova cifra, que vá além disso, só
será definida em 2025. Isso representa uma perda para os países em
desenvolvimento, que queriam ver uma indicação do financiamento pós-2020 na
mesa em Paris. Por outro lado, representa uma perda também para a posição dos
desenvolvidos, que ameaçaram na noite de sexta-feira tirar os US$ 100 bilhões
da mesa se não conseguissem aumentar a base de doadores para incluir países
emergentes. Tiveram de se contentar com um “encorajamento” a “outras partes”
para aumentar voluntariamente seus esforços de financiamento.
As duas plenárias do
sábado, a da manhã e a da noite, tiveram clima de festa, com ministros e
delegados sorrindo e tirando selfies antes da chegada de Fabius, acompanhado do
presidente da França, François Hollande, e do secretário-geral das Nações
Unidas, Ban Ki-moon. À noite, juntou-se ao grupo o ex-vice-presidente dos EUA
Al Gore, o mais ilustre militante da causa climática. Fabius disse que o novo
texto, “o nosso texto”, representava “o melhor equilíbrio possível”, e produzia
um acordo “diferenciado, justo, durável e legalmente vinculante, fiel ao
mandato de Durban” – em referência à reunião na África do Sul, em 2011, que
produziu o roteiro para o primeiro acordo climático que inclui todos os países
do mundo. A plenária de noite foi atrasada em quase duas horas. Um rumor dava
conta de que os EUA teriam descoberto um erro no texto – um verbo conjugado num
tempo que amarraria o país a metas de corte de emissões legalmente vinculantes,
algo que o país não aceitaria porque não conseguiria aprovar no Congresso. O
erro de fato existia, mas Fabius atribuiu-o a um problema “estritamente
material”, e o verbo foi corrigido no texto. “Ele adotou o texto e ninguém
reclamou”, disse o embaixador brasileiro Luiz Figueiredo, que teve papel
importante na última semana de negociação.
O principal temor de uma
surpresa de última hora – a oposição ao acordo durante a plenária – não se
confirmou. O G77, bloco dos países em desenvolvimento, aprovou o documento sem
reservas, e até mesmo a Índia, considerada no começo da COP o potencial vilão
das negociações, chamou o acordo de “histórico”. A Nicarágua reclamou do texto
de forma protocolar, chamando de “antidemocrático” o elogiadíssimo processo de
condução da presidência francesa. No entanto, nem ela, nem a Venezuela, o país
que estragou a festa em Copenhague, em 2009, bloqueando a decisão final,
obstruíram a adoção. “Podemos encher Paris novamente de vida e de esperança”,
disse a chefe da delegação venezuelana, Claudia Salerno, em alusão aos
atentados terroristas de novembro na capital da França.
“Todo
mundo lembra de mim por Copenhague”, disse Salerno, com um sorriso, emendando
que as coisas mudaram de lá para cá. Em seguida, Salerno anunciou a deposição
da INDC da Venezuela, recebendo aplausos da plenária.
A
sociedade civil global reagiu bem ao acordo, em especial à menção aos esforços
para limitar o aquecimento global em 1,5oC, desde que aliada à
revisão de metas. “É também um sinal de que os governos estão se comprometendo
a finalmente se alinharem à ciência do clima”, declarou Samantha Smith, líder
da campanha global de clima do WWF.
Porém,
as organizações não-governamentais destacam a necessidade de acompanhar a
implementação do acordo e pressionar governos e setor privado para que o
tratado seja cumprido. “As metas de emissões sobre a mesa não são grandes o
suficiente, e o acordo não faz o suficiente para mudar isso”, disse Kumi
Naidoo, diretor-executivo do Greenpeace internacional. Mesmo assim, prosseguiu
Naidoo, “o acordo é o começo do fim da era dos combustíveis fósseis.”
CLAUDIO ANGELO
CÍNTYA FEITOSA
COM ALÍVIO, DO OC, EM PARIS
CÍNTYA FEITOSA
COM ALÍVIO, DO OC, EM PARIS
Fonte:
Observatoriodoclima.org
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